domingo, setembro 09, 2007

Voltar a La Strada

Nestes tempos de chumbo, em que o cinema que nos chega nos convida antes a rever velho cinema e a ver ou a rever aquele, o mítico, o que nunca vimos ou de que sempre ouvimos falar e nunca tivemos oportunida de ver. É preferível, pensei, ver do bom, mesmo velhinho, a enfiar-me em salas fastfood a rever remakes inúteis ou fast-filmes ensurdecedores (rais-partam os surrounds e afins), tesouradas a esmo, efeitos especiais do caraças, gandas actores à mistura, é verdade - tão bons que nos perguntamos, "mas o que faz este gajo/a nesta merda de filme?" - argumentos esfalfados mais vírgula menos vírgula, daqueles que depois de 1/2 dúzia de planos já sabemos como acabam e até prevemos onde o argumentista vai meter uma variaçãozita para dar ares de originalidade.

Durante décadas entendeu-se que o bom cinema tinha a ver com um bom argumento, bem cerzido e surpreendente, bons actores, bem dirigidos, boa fotografia, efeitos e banda sonora adequada. A imaginação e a criatividade, o experimentalismo de todos os artifices girava em torno disto e em torno disto evoluiu esse cinema. Tudo ao serviço de uma ideia. Claro que, à mistura, se produzia muita babugem pesadona com orçamentos elefantinos que nada de novo acrescentava; servia apenas para sustentar o star-system e engordar as grandes produtoras.

Hoje parece estarmos perante um novo paradigma: o novo riquismo, a variedade e a velocidade de mutação tecnológica constituem o eixo à roda do qual se estrutura o modus faciendi dos filmes. O que era um acessório passou a essencial. Por exemplo, há filmes em que a câmara bêbeda não é um meio; é um fim. E o mesmo com o som e os efeitos especiais, os cenários, o vestuário, et. O gongorismo impera, embora não seja um mau presságio, pois estas fases rebuscadas sabemos que são passageiras e cíclicas após longos períodos de evolução. Digamos que é uma espécie de pousio antes de o ciclo vegetatativo se recompor e retomar o curso normal. Só que teve de acontecer comigo, caramba!
Por isso ver esta maravilha, onde tudo o que interessa é o que se passa no rectângulo mágico, com Gesolmina, Zampanò, Il Matto, os seus sentimentos e gestos, as relações entre eles e o mundo que os cerca, como olham e são olhados. Há um final, claro, mas há um gozo raro em cada plano, movimento, sequência. Há filmes, cada vez mais infelizmente, em que o único interesse é saber como acabam. Mas neste, como em todos os bons filmes, isso é o que menos interessa. E mais; e um aviso: quem viu o 8 e1/2 reveja La Strada e reveja depois o 8 e1/2...

quarta-feira, março 14, 2007

El Embrujo de Shangai: o feitiço do cinema


Eu já tinha lido o belíssimo livro de Juan Marsé, de quem recordo também Ultimas tardes com Teresa e Si te dicen que caí (Canções de Amor em Lolita’s Club está por pouco), e quando encontrei o filme de Fernando Trueba num videoclube corri para casa a vê-lo.
Fernando Fernán Gomez, que já conhecia de outros filmes, encarna o Capitão Blay até à medula. O velho anarquista que sai do esconderijo pela porta do armário, vai para a rua de roupão e cabeça enfaixada, mija às claras e sem pressa na rua e compra o jornal franquista só pelo prazer de queimá-lo, terá doravante para mim, sempre o nome de Fernando Fernán Gomez. E um filme onde a realidade e o sonho/desejo se canibalizam sem se destruírem pois só assim sobrevivem, é um filme sobre crescimento, morte, persistência e ausência, chegadas e partidas de um lugar real para lugares míticos. E um filme que nos remexe por dentro como se remexe a massa do pão na maceira. E inesquecível.
Nesta entrevista com Fernando Fernán Gomez, que poderão ler no site aqui vos deixo, pode perceber-se como o actor conseguiu o milagre da cozedura preparada por Fernando Trueba.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

O Homem do Rickshaw. Japão 1958, apenas 13 anos após a rendição

De Hiroshi Inagaki com o enorme Toshiro Mifune. Com este filme aprendi que qualquer momento pode ser o momento de toda a nossa vida. Tal como o pobre homem que revê à hora da morte, através da raios da roda do rickshaw que toda a vida empurrou, deslizarem num flash back cada vez mais vertiginoso até ao ralenti final todos os momentos da sua existência, por várias vezes eu me imaginei chegado à hora suprema para desse modo tentar rever memórias esquecidas. Até agora isso nunca funcionou, mas um dia, e se tempo me for concedido, espero aconteça...

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

A propósito de BABEL: Iñarritu irrita os críticos


Os críticos de cinema do P, num gesto de solidariedade admirável, resolveram, por unanimidade e aclamação, solidarizar-se com a administração Bush e declararam Babel ferido de antiamericanismo primário. Até aqui, tudo bem, cada um acha o que lhe dá na bolha, seja ele americanófilo primário ou não. Até sou capaz de apostar que muita gente boa dos Usa vai ver o filme e gostar: serão todos anti-americanos? Se os chuis do filme agem como nazis, a culpa se calhar é dos média americanos que nos bombardeiam com cenas de polícias a sovar desalmadamente cidadâos, pretos de preferência. São americanas as imagens da tortura de prisioneiros no Iraque e Guantânamo, como americanas são as imagens de cenas chocantes na fronteira com o México. Pois é, mas os nossos críticos não esquecem Álamo, nem Pearl Harbour, nem o 11 de Setembro. Por isso eles amam a Rocky Balboa.

Bom, com tudo isto, a gente fica mesmo sem saber se o filme é mesmo tão mau que mereça o linchamento (como se sabe uma invenção do americano Lynch, não o David) e por isso as salas onde o filme persiste continuam a registar boas audiências. Azar dos távoras. Por mim confesso que continuo a prefirir o "Amores perros", mas Babel, meus caros, está longe de ser um mau filme. A propósito, também gosto muito de "O triunfo da vontade" da Leni Riefenstahl, apesar de nazi primário e de Intolerance, apesar de americano primário, e do Couraçado Potemkine, apesar de comunista primário. E também não perceberam o que faz lá a espingarda do japonês, coitados. Não sabem que em 1853 foi o comodoro americano Perry que forçou os japoneses a abrirem os seus portos ao comércio dos usa. Azar dos távoras, que eles aprenderam bem depressa. Em resumo, continuem a ler as críticas, mas não se fiem nos críticos que utilizam argumentação primária e sectária.

domingo, fevereiro 11, 2007

René Clair:Tout l'or du monde

De um realizador completamente esquecido, que nos deixou obras como La porte des Lilas (onde o próprio Brassens canta o tema), Les belles de nuit, À nous la liberté e Paris qui dort.

Adorava rever este filme, magistral pelo desempenho de Bourvil, um casmurro, a um tempo manhoso e ingénuo, que não vende o seu casebre por todo o oiro do mundo e obriga os engenheiros viários a rodearem-lhe a propriedadezita de viadutos. São sempre de Pirro as vitórias que o dinheiro consente, mesmo as da dignidade. Por isso os espertos lhe chamam casmurrice, burrice, etc.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

O cinema da minha infância (1): JUNGLE JIM

Regresso porque senti saudades do cinema que moldou o meu imaginário; Não para pôr estrelinhas que nada acrescentam, pois quem se pode fiar nas críticas díspares/disparatadas que enxameiam os média e desorientam os que gostam de cinema? Não para falar dos filems que todos vêm ou de que todos falam.
Dos filmes que vou rememorar talvez alguns sejam, à luz dos padrões actuais, intragáveis. Mas esta é uma falsa questão, pois "mau hoje" sé se pode considerar o que já era mau na época. Avaliações fora de contexto só se fazem por ignorância ou má fé. Se a primeira se compreende; a segunda enoja. Adiante.
O acontecimento, que mobilizou toda a população da aldeia de Santa Marinha (Seia, Beira Alta) nos idos de 1953/4 (?), durou uma semana . As sessões, de mais de duas horas, eram efectuadas por projeccionistas ambulantes. E nós sentávamo-nos no chão do largo de S. João ou sobre pedras, tijolos ou mochos trazidos de casa naquelas noites longas e tórridas de Verão.
Não sei dizer se o filme era bom ou mau. Nunca mais o revi e não sei se seria suficientemente isento para reavaliá-lo. Sei que foi um fascínio entrar na selva excessiva misteriosa e imprevisível onde as feras humanas e animais se entredegladiavam para viver amar e sobreviver. Retenho para sempre a luta terrível em que uma gigantesca giboia constrictor surprende um tigre e a luta terrível e infindável que se segue e termina no injusto abraço da morte ao belo e imponente felino e o começo da respectiva ingestão. Ainda hoje me pergunto se seria ou não trucagem. Pelo tigre, preferia que fosse, mas pela veracidade não me pareceu. Talvez fossem os meus olhos de miúdo; talvez o olhar de então. Quem se sabe as trucagens actuais, que nos parecem agoara tão realistas, não serão olhadas daqui a uns anos como grotescas. Porém não é isso que diminui um filme. A prova é que o recente remake do King-Kong não o torna melhor que o de Coopper e Shoedesack.
O meu fascínio pelo cinema começou aqui.