
Durante décadas entendeu-se que o bom cinema tinha a ver com um bom argumento, bem cerzido e surpreendente, bons actores, bem dirigidos, boa fotografia, efeitos e banda sonora adequada. A imaginação e a criatividade, o experimentalismo de todos os artifices girava em torno disto e em torno disto evoluiu esse cinema. Tudo ao serviço de uma ideia. Claro que, à mistura, se produzia muita babugem pesadona com orçamentos elefantinos que nada de novo acrescentava; servia apenas para sustentar o star-system e engordar as grandes produtoras.
Hoje parece estarmos perante um novo paradigma: o novo riquismo, a variedade e a velocidade de mutação tecnológica constituem o eixo à roda do qual se estrutura o modus faciendi dos filmes. O que era um acessório passou a essencial. Por exemplo, há filmes em que a câmara bêbeda não é um meio; é um fim. E o mesmo com o som e os efeitos especiais, os cenários, o vestuário, et. O gongorismo impera, embora não seja um mau presságio, pois estas fases rebuscadas sabemos que são passageiras e cíclicas após longos períodos de evolução. Digamos que é uma espécie de pousio antes de o ciclo vegetatativo se recompor e retomar o curso normal. Só que teve de acontecer comigo, caramba!
Por isso ver esta maravilha, onde tudo o que interessa é o que se passa no rectângulo mágico, com Gesolmina, Zampanò, Il Matto, os seus sentimentos e gestos, as relações entre eles e o mundo que os cerca, como olham e são olhados. Há um final, claro, mas há um gozo raro em cada plano, movimento, sequência. Há filmes, cada vez mais infelizmente, em que o único interesse é saber como acabam. Mas neste, como em todos os bons filmes, isso é o que menos interessa. E mais; e um aviso: quem viu o 8 e1/2 reveja La Strada e reveja depois o 8 e1/2...